Aquilo que o faroeste nos ensina, parte 2

"We're thieves, in a world who don't want us no more."

Se no último texto disse que Red Dead Redemption tinha envelhecido tremendamente bem, o mesmo vou poder dizer de Red Dead Redemption II daqui a 8 ou 10 anos. Mas já lá vamos...

No último texto também me referi como "sequela de Red Dead Redemption". Usei essa expressão porque inicialmente todos, incluindo eu, que seria isso mesmo: uma sequela. Mas não... Red Dead Redemption II é uma prequela mas, ainda mais importante que isso, é uma história que dá outro significado ao original e que expande o mundo criado para o mesmo. Red Dead Redemption II é mais do que uma prequela, como disse, e é mais do que um jogo. É mais que um filme, mais que uma série, mais que uma escultura ou um quadro... É uma carta de amor, em muitos sentidos, aos gamers que anseiam por boas histórias contadas em videojogo. É uma declaração clara na reinvenção de um género morto e enterrado. É também uma excelente forma de introduzir as gerações mais novas à beleza do storytelling, e de como também no futuro é essa geração que vai continuar este legado. E por fim é uma lição ao mundo do cinema e da televisão, uma lição que se for estudada pode levar a uma melhoria no lixo que se vê na televisão e nos cinemas.

Red Dead Redemption II leva-nos a 1899, certa de 10 anos antes do primeiro, e coloca-nos na pele de Arthur Morgan. Um pistoleiro pertencente ao gang liderado por Dutch Van Der Linde, um gang que está no seu epítome de fama e procura agora escapar ao avanço da civilização em direcção a oeste. Lembram-se quando eu disse que John Marston foi um dos melhores personagens da sua geração? Arthur Morgan é um dos melhores da sua.

Após um assalto que dá para o torto em Blackwater, Dutch e os seus escapam para norte e para as montanhas geladas. A nossa aventura começa aí. Arthur é um dos braços direitos de Dutch, juntamente com Hosea Matthews e Micah Bell. O tutorial não é nada menos que espantoso, a forma como a Rockstar conseguiu misturar a aprendizagem (ou reaprendizagem) das mecânicas de jogo com um confronto directo com um dos grupos antagónicos é genial e põe-nos a pulsação a trabalhar: o cenário fantasmagórico, escuro e gelado mais o tiroteio aceso contra os O'Driscolls. É nessa missão que temos o primeiro contacto com o novo sistema de combate e o melhorado sistema de interacção com os cavalos. É também aí que conhecemos Sadie Adler, que virá a ser uma personagem fundamental mais à frente.

A Rockstar neste jogo voltou a assumir o seu compromisso em reinventar o género e voltou a apostar na criação de fortes personagens femininas. Depois de Bonnie McFarlane no jogo original, neste temos Sadie Adler como cabeça de cartaz. Red Dead Redemption II alarga também o leque de personagens femininas. Ainda não foi desta que temos uma protagonista, mas acredito que esteja para breve.

O jogo tem também personagens pertencentes a minorias étnicas com papéis fundamentais. Javier Escuella, um dos antagonistas do original, tem um papel maior neste segundo. Mas além disso dá-se destaque a Lenny Summers, um jovem negro filho de antigos escravos e um dos amigos mais próximos de Arthur, e Charles Smith, filho um negro e de uma nativa americana. Charles vai também eventualmente tornar-se muito próximo de Arthur e de John.

Red Dead Redemption II regressa a um tempo em que o gang de Dutch está junto, forte e famoso. Um assalto a um comboio da propriedade de Leviticus Cornwall, um magnata e dono de diversas companhias em diversas áreas desde os transportes ao minério, coloca o gang na lista da agência de detectives Pinkerton. Lembram-se de Edgar Ross? Sim, esse mesmo. É empregado da Pinkerton e trabalha com um agente chamado Andrew Milton, que é seu mentor na agência. Os agentes começam a perseguir o gang e tornam-se uma das razões para a deterioração psicológica de Dutch.

Ainda no segundo capítulo Arthur, a pedido de Leopold Strauss (um austríaco membro do gang, especialista em extorsão), vai visitar um homem chamado Thomas Downes por pagamentos em atraso. Downes, sem possibilidades de pagar, vê-se espancado por Arthur que é atingido por sangue na cara. Isto é um ponto de viragem no jogo, e isso torna-se evidente assim que terminamos a missão.

Claro que não é possível resumir a história toda num pequeno texto por isso vou tentar fazê-lo sem maçar. Com o passar do tempo vai sendo estabelecido que Micah é o principal antagonista do jogo, sempre a conspirar aos ouvidos de Dutch e aproveitando-se do óbvio declínio que o líder está a experienciar. Vamo-nos apercebendo também que Arthur está doente, e isso torna-se angustiante à medida que avançamos no tempo e percebemos que não há nada a fazer. Eventualmente descobrimos que Arthur tem tuberculose e que é apenas uma questão de tempo. É aqui também que nós, jogadores, nos apercebemos da vital importância do sistema de honra que o jogo tem. Esse sistema de honra vai ser um dos principais factores de decisão no final da história, onde temos quatro à escolha.

À medida que o gang é escorraçado de Estado em Estado, seja por perseguição dos Pinkertons ou por se ter intrometido numa guerra civil entre duas famílias (Greys e os Braithwhaites), a união dentro do gang vai-se estilhaçando. Guerras internas, a crescente desconfiança de Arthur em Micah, a indisponibilidade de Dutch em aceitar os conselhos de Arthur e o crescente isolamento de Dutch em relação a Hosea leva a uma série de más decisões. Decisões essas que colocam a liderança de Dutch, aos seus olhos, em perigo. Após um assalto mal planeado em Saint Denis (inspirada na cidade de Nova Orleães) Hosea é capturado por Milton e Ross e usado como moeda de troca com Dutch (dentro do banco). Hosea, no entanto é executado pelos Pinkerton a sangue-frio no meio da rua. O gang tenta escapar pelos telhados, com Lenny a liderar. Nesta altura já vemos, claramente, Dutch a pensar mais em si próprio do que nos seus. Lenny é morto com um tiro na cabeça em plena fuga e apenas Dutch, Javier, Arthur, Bill e Micah conseguem escapar para um barco. Uma tempestade destrói o barco e o grupo vê-se preso na ilha de Guarma, nas Caraíbas. Uma ilha governada por um espanhol com mão de ferro e com uma intensa actividade de escravos revoltosos nascidos no Haiti. Após ajudar os rebeldes, o grupo consegue regressar aos Estados Unidos e eventualmente reencontrar-se com o resto do gang. A reunião é sol de pouca dura porque rapidamente são atacados por um destacamento de Pinkertons, o que deixa no ar a ideia de um traidor dentro do gang. Resta saber: quem? É a partir deste momento que Arthur consolida a sua amizade com John Marston, com Sadie e com Charles.

Arthur concorda em ajudar Charles a auxiliar uma tribo de nativos com mantimentos e a defender-se do exército americano, uma tribo que Dutch tenciona e consegue explorar para seu ganho pessoal. Embarcamos também com Sadie numa série de missões pessoais para ela, nomeadamente contra os O'Driscolls - o gang que matou o seu marido a sangue frio nas montanhas

É também com Sadie que Arthur tira John Marston da prisão. No regresso ao campo confrontam Dutch, que se enrola em desculpas. Por esta altura já o gang está separado. Vários membros fugiram, e outros foram mortos como Molly O'Shea (supostamente por traição). Após outro assalto, desta vez a um comboio militar carregado com ouro, John cai e é deixado à sua sorte por Dutch. Arthur parte depois com Sadie para salvar Abigail, prisioneira de Andrew Milton. Arthur, já muito debilitado pela doença, tem dificuldades em derrotar Milton. Milton é, no entanto, morto por Abigail entretanto desatada por Sadie. É neste momento que descobrimos que o verdadeiro traidor é Micah Bell!

De regresso ao campo, Arthur ajuda Abigail a escapar com o filho Jack (sim, o filho que eventualmente mata Edgar Ross para vingar o pai no epílogo do jogo original). Depois temos uma cutscene absolutamente fenomenal, a ultima cavalgada de Arthur. Mesmo que não queiram jogar isto, vejam no YouTube. É incrível.

John eventualmente reaparece  e dá-se o confronto final entre Dutch e Arthur. De um lado Arthur e John (Sadie fugiu com Abigail). Do outro Dutch, Micah, Bill e Javier (que parece um pouco na dúvida, dado que e o único que recusa apontar a pistola a Arthur).

Este confronto é curto dado que surge um grupo de Pinkertons para caçar o que sobra do gang e é aqui que temos que fazer a nossa escolha: ajudar John a fugir para junto de Abigail ou regressar ao campo e recuperar o dinheiro que Dutch escondeu. Depois da escolha a nossa honra vai decidir o final que temos. Pessoalmente a minha preferida é ajudar John e ter boa honra, e é esse final que vou abordar.

Após ajudarmos John a escapar ao grupo de Pinkertons, somos atacados por um Micah nitidamente enraivecido. Dá-se um combate mano a mano, no qual sentimos a nossa pulsação saltar. Eventualmente, e quando tudo parece perdido surge Dutch a pisar a mão de Arthur. Pensamos por um segundo que Dutch nos vai matar mas não é isso que acontece. 

"I gave you all I had..."

"John made it..."

Dutch, nitidamente com sentimentos de culpa, acaba por virar costas a Arthur e Micah deixando claro que a parceria acabou. Micah, frustrado foge também. Fica Arthur. Ensanguentado mas não derrotado. Arrasta-se para junto de uma pedra e fica a ver o por-do-sol na hora da sua morte, em paz.

Claro que por esta altura já eu chorei que nem um bebé e praguejei que nem um louco.

Depois surgem os créditos, o mundo deixou de fazer sentido. Sentimos um vácuo enorme por dentro. E depois eis que surge o epílogo e a voz de John. Num epílogo que em certas alturas é claramente demasiado longo, temos a viagem de John até conseguir comprar a sua herdade que vemos no jogo original. Pelo meio reencontramos velhos amigos como Charles e também Sadie (agora caçadora de recompensas). É através dela que descobrimos o paradeiro de Micah Bell.

Encontramos Micah nas mesmas montanhas que visitamos no início do jogo. Micah tem um novo gang e descobrimos que está de novo a trabalhar com Dutch...ou será que está? Após um confronto a três, Dutch dispara sobre Micah e depois cabe-nos a nós, como John, a vingar Arthur matando Micah. Dutch, depois disso, volta a virar costas e ir embora.

"Vengeance is an idiot's game."

Regressamos à herdade, triunfantes. E agora sim temos os créditos finais com imagens do que passa no futuro imediato. Vemos o casamento de John e Abigail. Vemos Edgar Ross a seguir as pistas que o levam a Dutch e a John. Acaba com Edgar Ross a entrada da propriedade de John, num claro presságio aos eventos do jogo original.

Claro que não referenciei as dezenas de missões paralelas que não estão ligadas à história principal. E passei muito ao de leve pela história, senão tinha material para um livro.

Red Dead Redemption II é uma clara evolução do original, com um mapa praticamente duas vezes maior que o primeiro. Woody Jackson regressa como compositor principal, e vai muito para além das 14 horas de música compostas para o primeiro jogo. Um jogo de 2018 que em 2028 vai certamente parecer um jogo actual. Visualmente tudo foi levado ao detalhe, desde o céu aos detalhes minúsculos da pele das pessoas.

A história de Red Dead Redemption II é, no entanto, um completo oposto de Red Dead Online. O modo online tem poucas actualizações, muitos bugs e muitas microtransacções. À semelhança de GTA Online, Red Dead Online segue um modelo de pay-to-win predatório que representa aquilo que a Rockstar tem de pior. E infelizmente a saída de pessoas ligadas à parte criativa da Rockstar, como Dan Houser, deixam no ar dúvidas sobre o futuro dos jogos da empresa. A ausência de notícias relevantes sobre projectos futuros e constantes rumores de cancelamento de projectos não ajudam a isto.

Ainda assim, Red Dead Redemption II deixa as bases perfeitas para o futuro dos jogos, sejam eles da Rockstar ou não.

Regressando à questão inicial à qual me propus responder. Podem os videojogos ser arte? Se julgarmos pelos dois Red Dead Redemption, por Ghost of Tsushima (podem ler aqui a minha review aqui ), The Last of Us e alguns outros... Sim. Podem. E devem ser considerados como obras de arte em alguns casos.

Mas digam-me aquilo que vocês acham... Cá estarei para discutir isto.

"All them years Dutch and for this snake?!"

So long, partners...

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