O que podemos aprender no Japão feudal
Texto escrito com base em gameplay maioritariamente na PlayStation 4 Slim.
Esta review vai ser dividida em dois pontos. Uma primeira parte sem spoilers, abordando o jogo de um ponto de vista estético e abordando a jogabilidade dele. E depois aí sim, abordo a história e o contexto com todos os spoilers possíveis. Assim quem estiver a ler, se ainda não tiver acabado a história ou não tenha começado ainda sequer pode ficar descansado.
Ghost of Tsushima foi, de longe, o único exclusivo que me prendeu verdadeiramente nesta geração PlayStation 4. Na larga maioria foram bons jogos mas nenhum deles me tinha prendido como esta produção da Sucker Punch. Agora que estamos a entrar na nova geração (em que eu, pela primeira vez, optei por começar na Xbox em vez da já habitual minha aposta na consola da Sony) são jogos como estes que me impedem de prescindir da PlayStation. Tal como aconteceu na geração anterior e o primeiro The Last of Us (não me vou alongar na sequela aqui, um texto vai ser dedicado ao segundo jogo), a fórmula repetiu-se embora com um IP diferente.
O jogo passa-se no século XIII na ilha japonesa de Tsushima e é largamente inspirado pela invasão mongol que assolou o Japão nesta altura. Não é, de todo, um jogo historicamente fidedigno mas é extremamente bem sucedido na sua missão de captar o ambiente do Japão medieval e a cultura do guerreiro samurai. É, ao mesmo tempo, uma carta de amor ao cinema de Kurosawa (acrescentando até um modo de jogo a preto e branco que recebeu o nome do mítico cineasta japonês).
Visualmente é um jogo brilhante. A cinematografia podia ser melhor em alguns momentos, mas regra geral é muito boa e tem até momentos absolutamente incríveis e inesquecíveis. A primeira missão, logo na abertura do jogo, é do melhor que já vi feito seja em jogo, cinema ou televisão. Keanu Reeves diria breathtaking!
Há, claro, jogos que graficamente são superiores. The Last of Us II e Red Dead Redemption II são superiores nesse campo, por exemplo. Ainda assim a forma como Ghost of Tsushima capta os ambientes que associamos ao Japão e mescla toda a sua diversidade é absolutamente divinal. Os detalhes das texturas podiam ser mais trabalhados claro, mas não é pior jogo por isso. A maneira como a Sucker Punch completamenta os visuais com o áudio é outro ponto positivo. A música (cortesia de Ilan Eshkeri e Shigeru Umebayashi), o som ambiente e os efeitos sonoros com que cada cena é construída transporta-nos com facilidade para o Japão de 1274. O jogo obriga-nos, constantemente, a estar atento ao nosso redor: seja para seguir uma raposa ou para combater uma milícia mongol.
Eu sei que este jogo foi desenhado e desenvolvido em inglês (os actores fizeram um trabalho fenomenal), mas pareceu-me errado jogar noutra língua que não em japonês. Opinião pessoal, naturalmente. Há ainda a possibilidade de jogar 100% em português.
Nada disto seria importante se o gameplay não seguisse as pisadas. E aqui, mais uma vez, Ghost of Tsushima não desaponta. Eu, pessoalmente, não sou grande apreciador de jogos com espadas. Não apreciei especialmente Sekiro: Shadows Die Twice por exemplo. E mesmo a saga God of War não está no topo dos meus gostos. Do lado da Xbox por mais que tenha gostado de Ryse: Son of Rome não o consigo por no meu top 10 de jogos. O mesmo se pode dizer de Star Wars Jedi: Fallen Order. É aqui que Ghost of Tsushima me surpreende. Não é um jogo fácil de dominar mas surpreendeu-me pela positiva graças à facilidade que existe em aprender os comandos. Mesmo quando temos ao nosso dispor um arsenal interminável de armas e bugigangas é fácil memorizar o que cada botão faz (mesmo sem um HUD constantemente visível). Não há quedas de FPS visíveis, apenas uma ou outra queda ocasional (praticamente inexistentes na PS4 Pro).
Sobre a campanha, antes de chegarmos aos spoilers, posso dizer que a história é relativamente linear e facilmente nos prende. À medida que progredimos começamos a reflectir sobre as acções e decisões de Jin, essas mesmas que ao início nos parecem lógicas. Além da história principal, a viagem de Jin, temos uma série de contos secundários e míticos que convém concluir (pelo menos alguns) se queremos passar a história sem arrancar cabelos.
O jogo tem, no entanto, alguns pontos negativos e foi alvo de críticas. Algumas delas justificadas. Uma dessas críticas foi o facto de, depois de tudo feito, o jogo ter pouca coisa para fazer. Um ponto relativamente certo. O mundo aberto, apesar de populado, tem relativamente pouca vida. Os NPCs, de certo modo, são copy paste uns dos outros e há pouca interacção. Um problema que no fundo afecta todos os jogos em mundo aberto, à excepção talvez de Red Dead Redemption II onde tudo parece vivo e passível de escrutínio por parte do jogador.
Aqui começam alguns spoilers, digo alguns porque não quero contar a história toda...
A viagem de Jin começa com uma cena incrível, como referi, na praia de Komoda. Local onde a invasão mongol começa, tanto no jogo como na realidade. Os samurai são dizimados. Jin e o seu tio Shimura são capturados. O nosso amigo Jin é salvo por uma ladra chamada Yuna e é aqui que conhecemos as duas influências da bússola moral de Jin Sakai. O ultra conservador Shimura (firme apoiante do código de honra dos samurai) e Yuna (uma mulher que lutou pela sobrevivência toda a vida). Shimura é preso por Khotun Khan, líder do exército mongol, e levado para o castelo Kaneda de onde Jin tem que o salvar com apoio dos seus aliados (que conquista ao concluir alguns contos secundários). O sensei Ishikawa e a senhora Masako são dois desses exemplos e são fulcrais na luta do Jin. Depois de salvar Shimura, através de alguns métodos menos honrosos, ambos levam a luta para o resto de Tsushima. Conquistam o castelo Shimura. Pelo meio Jin mata o seu amigo de infância Ryozu por este o ter traído em Kaneda. A luta acaba com Shimura a expulsar Jin do seu campo e Jin vê-se obrigado a construir um exército seu. Finalmente conseguem matar o Khan e a invasão acaba. Shimura vê-se obrigado pelo Shogun a desonrar Jin e a matá-lo. A sua missão falha quando no final nós conseguimos derrotar Shimura e finalmente nos tornamos no fantasma.
Depois da série Infamous, que pessoalmente não gostei, a Sucker Punch redimiu-se com uma autêntica obra de arte. Uma pintura em movimento que apaixona qualquer um. Um jogo de uma geração e, para mim, O JOGO de 2020.
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